domingo, 6 de outubro de 2013

Hoje eu acordei revolucionária e não saí do meu sofá

Hoje eu acordei com inconformismo. Foi isso. Eu acordei, não consegui me conformar e isso durou o dia inteiro. Ao acordar, eu recebi a mensagem de alerta de Stanford falando sobre um assalto que havia ocorrido às quatro e meia da manhã. Na mensagem, que relatava o ocorrido, havia entre aspas a descrição feita pela vítima: “o agressor era hispânico ou negro”. Essa descrição me deixou perplexa e inconformada. Como uma pessoa pode dizer isso? Não são duas fisionomias parecidas! É apenas a manifestação clara de racismo tanto da vítima que fez a descrição, quanto da equipe de segurança da universidade que escolheu essa informação para divulgar. Como hoje eu estava revolucionária, escrevi uma carta para o órgão que divulga tais alertas manifestando minha indignação e pedindo para que prestassem mais atenção antes de propagarem o racismo e a intolerância a todos da universidade. Depois desse feito, resolvi olhar meu Facebook para saber da vida das pessoas, dos assuntos que rolam por aí. Eis que me surpreendo com um vídeo com o seguinte título “Vai trair seu marido para ver o que acontece”. Abro o vídeo e vejo que trata-se do degolamento de uma mulher. Fiquei, mais uma vez, perplexa e inconformada. Denunciei o vídeo como abusivo por expor imagens violentas e transmitir mensagens de ódio. Uma hora mais tarde, o Facebook manda uma mensagem dizendo que não bloqueou o conteúdo do vídeo porque não o julgou inadequado. No meu sofá, sentadinha, eu escrevi uma reclamação homérica ao setor de denúncias do Facebook perguntando se eu estava enganada ou se eles eram coniventes e defendiam a violência contra as mulheres. Não obtive resposta nem pra uma nem pra outra manifestação de inconformismo. Saí do meu sofá e fui jantar. Era um jantar com pessoas que conheço pouco, cujas opiniões reais eu nunca saberei. Não manifestei nada naquele jantar. Fui censurada pela voz oculta da inabilidade linguística, mas segui indignada.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Não, obrigada! Como você reagiria se estivesse em perigo?

Sempre que uma mulher era violada, molestada, estuprada, eu pensava: “poxa, mas por que ela não fez isto, isso ou aquilo? Hoje, eu estava no trem voltando do trabalho, trabalhando no meu computador e conversando distraidamente com uma amiga no bate-papo do Facebook. A viagem não dura muito, 34 minutos, mas eu desço no ponto final, então, eu simplesmente esqueço da vida no trem. Logo depois que eu entrei no trem, que estava cheio de adolescentes voltando da escola, eu vi um rapaz sentando no banco do outro lado do corredor. Depois disso, eu estava muito concentrada na proposta de redação que eu estava fazendo e na minha conversa no bate-papo que não vi os adolescentes descerem, não vi meu vagão se esvaziar e não vi quando o moço sentou-se ao meu lado. Eu só o vi no último minuto e ele já estava sentado. Ele se sentou tão perto de mim, com a mão dentro de sua jaqueta que eu pensei que ele queria me assaltar. Eu pensei comigo, fica calma, responde calmamente e dá tudo o que ele pedir. Ele tinha os olhos muito esbugalhados e eu tinha medo de todas as histórias de pessoas que morreram sem nem mesmo reagir, então, eu comecei a responder às perguntas que ele fazia. Mas eu tremia muito, muito. De repente, ele parou de perguntar e ficou olhando parado pra mim. Eu, muito educadamente, disse: “May I help you? Do you have any problem?” com o telefone e o computador na mão, prontinha pra entregar pra ele e terminar com aquilo. Eu não gritei, eu não fui rude, eu fiquei imobilizada como um ratinho que espera a abocanhada da cobra. Ele, olhando com os olhos de cobra esbugalhada e chegando ainda mais perto, disse: “I like you, do you want to have sex with me now?” Vocês sabem o que eu fiz? Eu, com todos os isto, isso e aquilo? Eu olhei nos olhos esbugalhados de cobra e disse, calmamente: “no, thank you”. É gente, eu olhei pro moço pronto pra fazer não sei o que e disse: não, obrigada!!!! Quando eu me dei conta de que não era nem meu computador nem meu celular o que ele queria, eu comecei a me mexer, a tentar sair e ele perguntou se eu estava nervosa. Ele disse que só queria fazer sexo, ao que eu respondi novamente “não, obrigada”, mas dessa vez alto e seguido de um 'você está me assustando eu quero sair'. Ele se levantou, olhou pra mim e perguntou: “are you sure?”. Eu comecei a querer gritar e ele foi embora pois o trem já se aproximava do ponto final. Graças a Deus foi só um susto, só mais um louco entre tantos de São Francisco, nada de pior aconteceu. Eu encontrei uma mulher na ponta do vagão, contei o que tinha acontecido e ela desceu comigo, fomos falar com a segurança que não me deu a mínima, pegou minha descrição e não disse nada. E eu fiquei pensando: será que eu fiz alguma coisa?, por que ele me escolheu naquele trem? Pensei nas mulheres que se culpam, que não reagem, pensei no machismo do segurança que me perguntou: mas você tinha conversado com ele antes? E daí eu entendi que, em perigo, a gente não sabe o que fazer, a gente não reage como a gente pensa que reagiria. Somos mesmo ratinhas indefesas hipnotizadas pelas serpentes... só que, depois de libertas, carregamos o peso de uma sociedade machista, de uma insegurança de ter sido culpada por ser vítima...

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A que pensa e a que não executa

Além da descoberta do real significado da palavra queimação, os trinta anos me trouxeram uma dupla personalidade. Eu tenho me dividido em duas pessoas: a que pensa e a que não executa. A que pensa é uma sonhadora, verdadeira idealista. Pensa em tudo que pode ser feito, como pode ser feito; traça metas e chega a se imaginar fazendo tudo o que idealizou. Ela é muito criativa, tem sempre uma ideia, um plano, um projeto, um não sei o quê para fazer e visiona os resultados positivos que a execução de todos os seus planos teria em sua vida. É, sem dúvida, uma pessoa cheia de vontade, ela mudaria o mundo não fosse a presença da que não executa. Essa, essa não faz nada que a outra idealiza. Ela chega a começar, mas se distrai facilmente. Sempre encontra desculpas bem embasadas na sua lógica de procrastinação para não realizar os planos tão bem engendrados por aquela que pensa. Isso deve estar parecendo uma história de maluco, mas darei um exemplo pra que vocês não pensem que entrei na onda hippie de São Francisco e estou sob o efeito de alguma substância diferente. Sempre que saio do trabalho, a que pensa começa a planejar o jantar, a organizar suas ações para preparar o jantar e, ao mesmo tempo, dar uma geral na casa, já pensando que, depois do jantar, ela vai corrigir provas e preparar aulas. Quando chego em casa, a que não executa entra em ação. Ela decide que uma comidinha congelada não é o fim do mundo, ainda mais com a palavra orgânico na embalagem. A casa, segundo ela, pode ficar assim mais um dia. As provas, as aulas, bom... disso nem a que não executa consegue escapar. Não sei se isso acontece apenas comigo, mas o buraco negro sem fundo que puxa toda minha energia no trajeto do trabalho pra casa e me transforma na que não executa... está complicando a minha vida...

terça-feira, 2 de abril de 2013

Das maldades sem maldade

Hoje eu acordei e fui trabalhar - dar as minhas aulinhas - tranquila. Quando cheguei ao prédio do meu escritório, todas as portas estavam fechadas. Não estavam trancadas, mas estavam fechadas como nunca estiveram nos últimos 7 meses. Quando a primeira pessoa abre as portas, elas ficam abertas porque têm um sistema automático para isso. Nesse meio tempo de portas fechadas, fui fazer minhas cópias. Lá, na sala de xerox com a porta fechada, eu encontrei a professora de poesia alemã, uma jovem doutoranda vinda diretamente da Alemanha. Ela tinha um ar de doutoranda em poesia, um ar de doutoranda que eu, provavelmente, nunca tive. Ela tinha o ar, mas não tinha a habilidade necessária para destravar a copiadora. Abri a máquina, tirei os papéis que estavam enroscados e conversei com a doutoranda em poesia – tudo ao mesmo tempo, é ou não é muita habilidade na máquina de xerox? Ela me agradeceu enormemente por tê-la ajudado nessa tarefa tão árdua que é tirar cópias 10 minutos antes de sua aula começar. Ela tinha pressa, mas teve tempo de me fazer uma pergunta sem maldade: Ah, você tem um doutorado? Então esse emprego é um emprego de transição até que você encontre um emprego de verdade? Um emprego de transição, um emprego de verdade... essas definições de emprego ficaram na minha cabeça e a resposta não teve tempo de sair da minha boca porque a moça do alemão (rebaixei-a em minha descrição porque, afinal de contas, ela ainda não defendeu a tese, então, ela bem pode ser a moça do alemão e só) precisava dar suas aulas de poesia. Eu saí da sala de xerox, abri as portas que ficaram abertas e fui sentar a minha mesa pensando: um emprego de transição, um emprego de verdade... e as portas ficaram abertas, as físicas e as psicológicas.

sábado, 11 de agosto de 2012

O verão e as lições de vida

Fazia muito tempo que eu não escrevia. Ando sem inspiração e sem tempo. A vida tem passado tão rapidamente que tenho pouco tempo pra pensar nas coisas e vê-las como um tópico para o que quer que seja. Hoje, estou deixando Middlebury, no estado de Vermont, onde passei 7 semanas ensinando português e cultura brasileira. Foi uma experiência única de trabalho e também de vida. Middlebury é um Big Brother das línguas: os alunos vão para essa cidadezinha no meio do nada, num estado lindíssimo, cheio de montanhas, esquilos, tâmias (existe um esquilo que não é esquilo e que se chama tâmia) e muito verde. Lá, eles fazem um juramento de ficar 7 semanas sem falar outra língua além da língua que querem aprender. Cada grupo de línguas tem um 'botton' com as iniciais da língua e, teoricamente, só devem falar com quem tem o mesmo botton. O mais interessante nisso tudo é que as pessoas levam muito a sério esse juramento e o inglês acaba sendo uma língua proibida nessa babilônia de línguas a serem aprendidas. Todos os alunos, professores e estagiários moram nos mesmos dormitórios (isso inclui dividir banheiros, cozinhas, salas), comem nos mesmos refeitórios, frequentam os mesmos espaços de lazer, ou seja, são 24 horas de convivência 7 dias por semanas. Tudo isso num ritmo de trabalho e estudo muito intenso. Essa convivência toda permite um grande aprendizado não só da língua mas também das relações humanas. No dia a dia da vida normal, nós evitamos as pessoas que destoam de nossos padrões, evitamos as pessoas que têm personalidades com as quais pensamos que não podemos lidar. No entanto, quando a convivência é forçada, nós aprendemos que podemos conviver com todo mundo, que podemos encontrar algo de bom em cada pessoa. Por mais clichê que isso possa parecer, é assim mesmo que acontece. Poucas são as opções quando temos só uma opção, não é mesmo? E, em Middlebury, aprendemos rapidamente que temos que nos adaptar, temos que aceitar, temos que compreender porque não temos outra opção além de conviver com aquelas pessoas todas. Acho que essa experiência foi uma das experiências mais marcantes da minha vida. Aprendi a ver as pessoas de outra maneira, aprendi muito sobre mim e sobre a maneira como eu percebo e reajo às atitudes das pessoas ao meu redor. Conheci tantas pessoas interessantes, tantas pessoas diferentes. Fiz bons amigos, desses que a gente não faz todo dia. Estou passando por uma fase de vida diferente neste ano, acho que estou passando pela fase do sim. Consegui um emprego em Stanford (lembram-se daquele post da fase do não? pois é, as coisas mudaram, eu fiz o concurso de novo e fui aprovada na mesma universidade), fui pedida em casamento (eu sei gente, eu já sou casada, mas vou casar de verdade, na igreja, de véu, grinalda e etc.). Este verão em Middlebury também faz parte dessa fase do sim. Foi uma grande oportunidade profissional e, como diziam os alunos, foram muitas lições de vida...

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A ignorância

Tem algumas coisas nesta vida que eu simplesmente ignoro. Não julgo, não sei se são boas ou não, só sei que, pra mim, não são úteis. Eu não procuro conhecer ou experimentar, eu ignoro completamente. Até aí, tudo bem, cada um se interessa pelo que quiser, não é mesmo? O meu problema é que as coisas ignoradas deram pra se vingar de mim.
Eu nunca achei, por exemplo, que precisava de 50 aplicativos no meu celular. Acho inútil, ignoro a funcionalidade e não quero perder um minuto da minha pequena existência tentando entender pra que é que servem, se é que servem pra alguma coisa. Outro dia, fui fazer uma entrevista numa empresa bacaninha e o entrevistador me perguntou: “- Quantos aplicativos você tem?” Eu nem tentei mentir porque eu nem saberia o que dizer. Falei a verdade: -“Tenho 3: um tradutor, um conversor de medidas e um jogo da velha.” Os aplicativos se vingaram, e eu não consegui o emprego. Teria sido útil se eu, pelo menos, soubesse mentir sobre o assunto.
Outra coisa que eu sempre achei inútil são esses joguinhos do Facebook. Fiquei muito feliz no dia em que consegui bloquear todos os convites para colheita feliz. Perguntem! Lá vou eu, bonitinha, fazer outra entrevista. Conversa vai, conversa vem, e a pergunta menos esperada do mundo aparece: você gosta de jogar nas redes sociais? Isso é fundamental para este emprego. Pode uma coisa dessas? Cheguei em casa e desbloqueei todos os jogos e convites do Facebook, mas já era tarde, eles já tinham se vingado e eu não consegui o emprego.
É gente, como dizia um velho amigo meu, tudo é conhecimento, tudo é uma forma de cultura. Se você ignora alguma coisa, qualquer coisa que seja, você é ignorante.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O interior é o mesmo



Eu passei as festas de fim de ano em Teloche. Uma vilinha a 200km de Paris com 3.040 habitantes. Tudo lá é muito bonitinho, a vilinha tem um centrinho medieval, com uma igreja, duas padarias, um açougue, uma farmácia, um correio e o mercadinho do Didier e da Michele. A D. Monique, minha sogra, vai de bicicleta comprar pão e croissant toda manhã. Come-se bem, bebe-se bem, como em todo bom interior. Tem uma coisa que eu adoro mais que tudo: o aperô. O aperô é assim: as pessoas te convidam pra ir a casa delas tomar um aperitivo antes do almoço ou do jantar, mas não te convidam pra almoçar ou jantar. Pode parecer estranho, mas é algo muito simpático e, como dá muito menos trabalho que convidar para comer, permite que as pessoas se vejam com mais freqüência, que bebam algo juntos, comam uns beliscos e depois cada um vai comer na sua casa. Eu adoro!
Interessante mesmo é ver que interior é o mesmo em qualquer lugar! Mesmo que eu não falasse francês, eu entenderia tudo. As pessoas, os comentários, as reações diante das coisas, tudo muito parecido com a minha realidade interiorana de São Paulo. Eu vejo as pessoas da minha família e meus conhecidos nas pessoas que eu conheço lá. Nas histórias sobre a vida dos outros, do burguês da vila, do pobre que tem uma filha metida, do que bebe mais do que deve, do filho que não sai da barra da saia da mãe, dos divorciados, dos juntados, de tudo um pouco. As pessoas sofrem pelos mortos em acidentes que eles nem conhecem e contam e recontam a mesma notícia ouvida 10 mil vezes no jornal.
É! O interior é o mesmo. As pessoas são gentis, elas gostam de nos fazer comer, quanto mais comemos mais felizes elas ficam. Se elogiamos a comida, ganhamos todo mundo. Eles me chamam "la princese". Eu sou muito dada, vocês sabem, e como tudo que me dão. Na verdade, fico sentadinha esperando que as pessoas me sirvam :), princesa, não? eu disse isso uma vez, eles acharam graça, e eu virei a princesa do pedaço. Porque, em todo bom interior, as pessoas gostam mesmo é de rir e de tirar sarro de tudo.
As pessoas sabem meu nome, eu saio dando 4 beijinhos em todo mundo (é, lá eles dão 4 beijinhos), elas me perguntam sobre a minha vida. Eu conheço as pessoas pelo nome, sei da vida delas... Ah! la vie a la campagne.
No meu interior, as pessoas dão 3 beijinhos (pra quem quer casar) ou 2 beijinhos (pra quem já casou ou não faz questão de casar) e elas nos enfiam café até não querer mais. Em Teloche, as pessoas dão 4 beijinhos e nos enfiam vinho, licores, kirs até não querer mais. Enfim, a diferença, na verdade, está no café, no álcool e na quantidade de beijos...